O Democratas já foi Arena, quando serviu de partido de sustentação da ditadura militar. Já foi PDS, quando tentou indicar Paulo Maluf como presidente nas eleições indiretas de 1985. Já foi PFL, quando atingiu seu ponto máximo no período democrático, com 105 deputados e 20 senadores, na condição de principal aliado do PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. De lá para cá, enfrentou vários escândalos e dissidências. Desidratou-se a ponto de caminhar para o nanismo político. Hoje, a legenda luta para manter em seus quadros 29 deputados e cinco senadores – um deles, suplente do pivô do último escândalo que abateu o partido, o senador cassado Demóstenes Torres. Último escândalo até aqui. No mês passado, uma denúncia revelada por ÉPOCA provocou uma nova crise no Democratas.
Desta vez, os desvios não atingem somente políticos, mas o próprio DEM. Mais precisamente, as contas do partido. E num dos últimos Estados onde o DEM ainda é forte, a Bahia, do candidato a prefeito de Salvador ACM Neto, sucessor político de seu avô, o ex-governador Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007. A denúncia foi feita a ÉPOCA, no final de junho, por Francisco Chagas Freitas, ex-presidente do PFL no Acre. Ele disse que ex-dirigentes do partido na Bahia roubaram alguns anos atrás, em valores de hoje, mais de R$ 1 milhão do Fundo Partidário, um dispositivo abastecido com recursos públicos destinado a custear despesas necessárias ao funcionamento das legendas, como aluguel, luz ou telefone. Agora, ÉPOCA teve acesso a documentos que comprovam aquilo que Chagas Freitas afirmou: mais de 700 páginas de um processo do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o mesmo assunto, as despesas do Fundo Partidário do PFL baiano. No material, técnicos do Tribunal deslindam um esquema de uso de notas fiscais fraudulentas emitidas para acobertar saques na boca do caixa e gastos inexistentes. Um ex-cacique nacional do partido afirmou a ÉPOCA que “foi roubo de dinheiro mesmo, com a emissão de notas fiscais frias”.
“Penso que a apresentação de notas fiscais fraudulentas e a forma como eram feitas as retiradas da conta bancária do partido impossibilitaram a verificação do nexo causal entre os saques e as despesas realizadas”, escreveu em seu parecer o procurador do Ministério Público junto ao TCU Sergio Ricardo Costa Caribé. Ele foi designado para acompanhar o processo contra a legenda. Recomendou aos ministros do TCU que reprovassem as contas do PFL baiano e obrigassem os então responsáveis pelo diretório regional do partido a ressarcir todo o valor do Fundo Partidário desviado, acrescido de juros e multa.
Até a publicação da reportagem de ÉPOCA, no final do mês passado, os caciques do DEM acreditavam que o caso, que se arrastara por anos, estava encerrado e não seria mais um motivo de escândalo a abalar a legenda. Em abril do ano passado, o TCU mandara arquivar o processo. O quadro mudou após a denúncia feita por Chagas Freitas. No último dia 16, o procurador Caribé entrou com um recurso para que o caso seja reaberto.
O processo contra o PFL baiano começou em 2003. Naquele ano, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Estado detectou irregularidades e fraudes em despesas realizadas pela legenda a partir dos recursos recebidos do Fundo Partidário em 2001, no valor de R$ 338 mil. Os técnicos do TRE verificaram adulteração de notas fiscais no valor de quase R$ 200 mil. Constataram notas rasuradas, com numeração incompatível com as datas em que foram emitidas, notas duplicadas etc. Outra irregularidade: os recursos do fundo eram sacados na boca do caixa uma única vez por mês, teoricamente para pagar despesas. A lei que rege o Fundo Partidário veda essa prática e determina que as despesas tenham correlação de valor e data com os saques e cheques emitidos. Isso permite rastrear o correto emprego do dinheiro. Entre 2001 e 2003, o ex-governador e ex-senador Antônio Carlos Magalhães estava vivo e comandava o partido na Bahia.
Como o Fundo Partidário é abastecido com recursos da União, o caso do PFL foi remetido ao TCU. Somente em 2009 o Tribunal chegou a uma conclusão: o partido deveria ressarcir os cofres públicos, autorizando o pagamento parcelado da dívida em dez vezes. Em 2010, o partido ainda não pagara um centavo sequer. O relator do processo no TCU, ministro Marcos Bemquerer Costa, decidiu então tornar o presidente e o tesoureiro do PFL no período de 2001 e 2002 responsáveis solidários pela dívida. São eles, respectivamente, o ex-deputado Francisco Benjamim e o deputado José Rocha, hoje no PR. Benjamim era ligado a Antônio Carlos Magalhães. Não fazia nada sem o consentimento de seu padrinho político.
Em dezembro de 2010, José Rocha, reeleito deputado naquele ano, resolveu pagar a dívida, corrigida na ocasião para R$ 618 mil. Dá-se aqui um exemplo pouco usual na política brasileira. Com patrimônio pessoal informado à Justiça Eleitoral naquele ano de R$ 2,3 milhões, Rocha disse que pagou os R$ 618 mil do próprio bolso. “Tudo declarado no meu Imposto de Renda”, afirmou. Com o pagamento feito por Rocha, o ministro Marcos Bemquerer considerou que o processo contra o PFL-DEM baiano estava encerrado. Em abril de 2011, ele votou pelo arquivamento do caso e foi acompanhado pelos demais ministros membros da 1ª Câmara do TCU.
Após as denúncias feitas por Chagas Freitas, o procurador Caribé concluiu que o processo não poderia ter sido encerrado segundo os critérios adotados pelo ministro Bemquerer. Em sua opinião, além da atualização monetária, os ex-dirigentes do PFL baiano ainda teriam de pagar juros de mora e multa sobre o valor devido. Há ainda outro fantasma a assombrar não somente os ex-dirigentes do PFL, mas também os atuais caciques do DEM. Os técnicos do TRE baiano haviam recomendado que o caso fosse remetido à Procuradoria-Geral da República (PGR), para possíveis ações cíveis e criminais contra os responsáveis pelos desvios. O procurador Caribé concordou com esse entendimento. O processo será julgado agora pelo plenário do TCU. Se a decisão final seguir o parecer de Caribé, a dívida deverá chegar a aproximadamente R$ 1 milhão, como denunciou Chagas Freitas, e as contas do diretório do DEM na Bahia podem passar por uma nova devassa, feita pela PGR.
O atual presidente do DEM, senador Agripino Maia, Rio Grande do Norte, nega que haja uma nova crise no partido. “Não há rebuliço nenhum. Eu simplesmente chamei o advogado e mandei que ele tomasse as providências cabíveis para o que o partido precisa fazer na minha administração, porque esse é um assunto que diz respeito às figuras que eram dirigentes na época”, disse ele.
(Blog da Dilma)
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