sexta-feira, 8 de junho de 2012

Substituta da Lei Rouanet, ProCultura quer descentralizar produção do eixo Rio-São Paulo

Criada em 1991 para desenvolver a cultura no Brasil, a Lei Rouanet ainda é o mecanismo regente da política cultural no País. É comum ouvir agentes do setor de diferentes áreas tecerem críticas a respeito dela, especialmente ao ponto que se refere à renúncia fiscal. A Rouanet permite que empresas privadas patrocinem projetos à sua escolha em troca de um desconto tributário de até 4%. Com isso, ocorrem injustiças na distribuição dos financiamentos: 98% dos projetos contemplados estão no eixo Rio-São Paulo, uma consequência do interesse das empresas em divulgar suas marcas nos estados de maior visibilidade.
Com a nova lei, o MinC pretende fortalecer o Fundo Nacional de Cultura e democratizar a distribuição dos incentivos Foto: Elza Fiuza/ABr
O ProCultura, projeto que, se aprovado, deve substituir a Rouanet, foi concebido por conta de problemas como esse. A nova lei pretende fortalecer o Fundo Nacional de Cultura (FNC) para descentralizar os incentivos. A intenção é equilibrar o fomento proveniente direto do Estado e o do mecenato. Para isso, continuará contando com a renúncia fiscal. Atualmente as empresas podem abater até 4% do imposto de renda, isenção que poderá chegar a 6% com o ProCultura. Deste valor, 1% será destinado ao FNC e o 1% final é dividido entre fundo e o projeto. Outro mecanismo de capitalização do fundo é a destinação a ele de 5% da renda de loterias. “Com isso ocorrerá o fortalecimento do orçamento e a democratização dos recursos, tornando o acesso ao dinheiro mais efetivo”, considera o deputado Pedro Eugênio (PT-PE), relator da proposta.
Eugênio explica que apesar de o Fundo Nacional de Cultura ser destinado principalmente a localidades hoje pouco beneficiadas, o ProCultura não cria obstáculos para projetos cariocas e paulistas captarem recursos. “O projeto só estabelece um piso para que parte do orçamento do fundo seja transferido para estados e municípios de outras regiões”, adianta, em entrevista à CartaCapital.
Outra novidade é a criação dos “territórios certificados”, áreas definidas pelo Ministério da Cultura que receberão incentivos com prioridade. Segundo o deputado, o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, é um exemplo desse tipo de área.
A proposta também prevê critérios de pontuação para autorizar a captação de projetos via incentivo tributário. A porcentagem de renúncia fiscal será definida pela quantidade de contrapartidas sociais que a proposta incluir – entre elas acessibilidade, gratuidade e promoção de ações educativas. Os empresários que investirem em projetos que alcançarem pontuação equivalente a 30% e 50% de dedução poderão abater o valor total do investimento como despesa operacional, o que acarretará em ainda mais descontos no final do processo.
Privatização da cultura?
O fato de o ProCultura continuar sendo baseado na renúncia fiscal segue incomodando os agentes culturais. Para Doberto Carvalho, diretor da Cooperativa Paulista de Teatro, há uma explícita privatização da cultura. “Eles estão transferindo para as empresas uma obrigação que é do Estado”, acredita.
O diretor ressalta a extrema desigualdade entre os incentivos. “Isso fica mais que evidente quando se destina 300 milhões ao Fundo Nacional de Cultura e um bilhão e 300 milhões para a renúncia fiscal − que também é dinheiro público, mas destinado a atender interesses privados”, complementa.
Segundo Carvalho, a escolha pela manutenção do sistema mecenato é por motivos políticos e não financeiros. “Existe um verdadeiro lobby entre emissoras de televisão, de outras empresas grandes. Porque recurso o Estado brasileiro tem. Quando quer colocar dinheiro em institutos de bancos ou até mesmo aquele caso do blog da Maria Bethânia, eles financiam”.
O orçamento para o Minc em 2011 foi de 1,64 bilhão de reais, um dos maiores dos últimos anos. A cantora baiana do caso citado por Carvalho teve um projeto de 1,35 milhão de reais aprovado em março do ano passado para fazer uma produção artística em um blog.
O diretor destaca que o projeto da deputada Alice Portugal (PCdoB -BA) havia concebido na Comissão de Educação e Cultura da Câmara apresentava mais avanços do que o substitutivo de Pedro Eugênio, enviado à Comissão de Finanças e Tributação. “A deputada também mantinha o mecenato, mas ela destinava metade do dinheiro para o fundo e a outra metade para a renúncia”, explica.
Pedro Eugênio concorda que é preciso fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, mas, para o deputado, a renúncia fiscal ainda tem uma grande importância para o financiamento cultural no Brasil. “Eu acho um exagero dizer que no Brasil há uma privatização da cultura. É verdade que hoje em dia o sistema de mecenato está muito mais poderoso do o sistema orçamentário. Estamos fazendo um esforço muito grande tanto político, como de articulação na sociedade, para que haja mais recursos para o orçamento do Fundo Nacional de Cultura. Nesse sentido eu concordo com os grupos que fazem essas críticas, mas não a ponto de dizer que deveria acabar com o mecenato”, afirma.
E destaca: “O ProCultura trabalha no sentido de tirar recursos do mecenato e transferir para o Fundo e isso é uma coisa inédita no Brasil. Meu projeto trabalha no sentido de reforçar a concepção de que o principal instrumento da cultura brasileira é o Fundo Nacional de Cultura orçamentário. E um elemento importante, mas complementar, é o mecenato. Nós precisamos de recursos adicionais.”
No final de maio a ministra da cultura Ana de Hollanda se encontrou com a presidenta Dilma Rousseff para pedir seu apoio para a aprovação da nova lei. O projeto já está sendo apreciado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Assim que for votada na CFT, segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Depois será discutida no Senado. Se sofrer mudanças, volta para as comissões da Câmara.
(Carta Capital)

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