segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A proposta de PPP do governo Jatene. Ou, mais um capítulo da privataria tucana.



O governador Simão Jatene encaminhou a Assembléia Legislativa do Estado do Pará – ALEPA, no dia 09 de novembro deste ano, o Projeto de Lei nº 210/11, no qual propõe uma regulamentação para a realização de licitações e contratação de parcerias público-privada no âmbito da administração pública estadual do Pará.
A proposição é tratada pelo governador do estado como tema relevante da agenda de políticas públicas de interesse dos paraenses, mas vem acompanhada de três tipos de procedimentos que, definitivamente, não combinam com boas práticas de governança e governabilidade, pelo contrário, parecem afirmar um modo de governar centrado na postura autoritária e no tratamento fantasioso da agenda pública. São eles:
  1. Mobilização para aprovar o projeto a toque de caixa (fato evidenciado no pedido de urgência de tramitação da proposta no legislativo estadual) , sugerindo que o mesmo possa vir a encontrar dificuldades de aprovação caso seja objeto de uma análise mais pormenorizada por parte daqueles que constroem cotidianamente o desenvolvimento do estado do Pará;
  2. Ausência de compromisso com o debate público,que deveria ser promovido mediante audiências públicas envolvendo todos os atores econômicos e políticos da sociedade paraense, de modo a permitir os necessários esclarecimentos sobre a natureza e as implicações da proposição e, inclusive, possibilitar a apresentação de contribuições que possam vir a aperfeiçoar o conteúdo do projeto de lei;
  3. Desinteresse ou incapacidade de informar sobre o grau de complexidade, os riscos e os limites deste tipo de instrumento (PPP), fazendo com que a proposta assuma a natureza de um conto de fadas, no qual os problemas de financiamento do desenvolvimento, num passo de mágica, parecem poder vir a ser solucionados;   
  1. O Que é Parceria Público-Privada
O termo Parceria Público-Privada (PPP) é usado pela literatura especializada e pela mídia para designar diferentes modelos de associação, firmada mediante contrato administrativo, entre organizações governamentais e o setor empresarial, com opropósito de construir infraestrutura produtiva ou equipamento social, e ou garantir a manutenção destes equipamentos e manter a oferta de serviços de interesse público.
No entanto, é importante distinguir dois grandes modelos de associação entre o setor governo e o segmento empresarial. Esta distinção é realizada com base nos modelos regulatórios existentes no Brasil.
O primeiro modelo é a concessão comum, regulamentada pela Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Deste grupo fazem parte três tipos de contrato administrativo possíveis de serem firmados entre governo e o setor empresarial. São eles:
  1. concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
  2. concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;
  3. permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
O segundo modelo é a Parceria Público-Privada, regulamentada pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004.Deste grupo fazem parte dois tipos de contrato administrativo possíveis de serem firmados entre governo e o setor empresarial. São eles:
  1. concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
  2. concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
As PPPs também são regidas por alguns dos dispositivos legais estabelecidos para as “concessões comuns”.
Um aspecto relevante e singular das PPPs reside no fato de neste tipo de contrato haver, necessariamente, compartilhamento de risco financeiro entre o governo e o segmento empresarial, selecionado mediante processo licitatório para a concretização da parceria.
  1. Parceria Público-Privado: Validade Restrita a Casos Particulares
A motivação principal que animou o desenvolvimento de modelos de parcerias desta natureza reside na possibilidade do governo, mediante associação com o setor privado, ampliar a capacidade de mobilização de recursos financeiros, mediante acesso aos mercados de crédito e de capitais,para a realização de investimentos em equipamentos de infraestrutura produtiva (energia elétrica, petróleo e gás, portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, aeroportos, perímetros irrigados), equipamentos urbanos (trens urbanos, metrôs) e equipamentos sociais (hospitais, escolas, centros esportivos), ou manutenção e oferta de serviços a partir da gestão destes equipamentos.
Porém, é importante ressaltar que contratos desta natureza apresentam alto grau de complexidade e, em geral:
  • demandam a constituição de uma Sociedades de Propósito Específico (SPE), ou seja, uma empresa com personalidade jurídica de direito privado, constituída por capital público e por capital privado, que poderá inclusive ter ações comercializadas em bolsa de valores;
  • envolvema mobilização de uma grande quantidade de recursos financeiros, sendo parte expressiva pertencente ao setor público;
  • observam prazos longos, nunca inferiores a cinco anos e podendo alcançar até 35 anos de vigência;
  • implicam compartilhamento de riscos financeiros entre governo e setor empresarial.
Portanto, apesar daspossibilidades que as PPPs, em tese, podem abrir em termos de mobilização de recursos financeiros para investimentos, é absolutamente relevante reconhecer que o êxito deste tipo de iniciativa depende de um amplo conjunto de fatores e requer uma análise critério aplicada a cada caso concreto que possa vir a se configurar como uma oportunidade merecedora de atenção por parte do governo estadual, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas, dos usuários dos equipamentos e serviços, e do segmento empresarial.  

  1. Parceria Público-Privada e Suas Implicações sobre  a Oferta de Vagas no Serviço Público

A adoção de um modelo de provisão de equipamentos e serviços públicos mediante Parcerias Público-Privadas podem implicar a transferência de tarefas atualmente desenvolvidas por secretarias, fundações públicas ou autarquias para Sociedades de Propósito Específico (SPE), ou seja, empresas privadas, produzindo como consequência imediata a:
  • redução da oferta de oportunidades de trabalho no serviço público estadual;
  • redução do número de concursos públicos e ou de vagas em certames desta natureza, que promovem oportunidade de acesso ao mercado de trabalho por critérios unicamente associados a meritocracia;
  • redução da base sindical dos movimentos sindicais que agregam os trabalhadores do setor público;
  • ampliação dos riscos de precarização das relações de trabalho.
  1. PPP: Muita Expectativa, Poucos Resultados
No âmbito da administração direta federal o modelo ainda não apresentou resultados capazes de comprovar a sua relevância em termos de mobilização de recursos financeiros para provisão segura, regular e qualificada de bens se serviços públicos.
Segundo informações disponibilizadas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), após sete anos de instituição do modelo de PPP foi contratada apenas duas parcerias. Uma delas foi desenvolvida no âmbito do setor financeiro estatal e diz respeito ao “Projeto Datacenter Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal” e tem por objetivo o gerenciamento, a manutenção e a operação da infraestrutura predial do complexo Datacenter. A outra iniciativa já contratada é o “Projeto Pontal de Irrigação”e tem por propósito realização de obra de infraestrutura e a exploração do serviço de irrigação no Perímetro Público denominado Pontal, no município de Petrolina (PE).
As iniciativas do governo federal assumiram dimensões promissoras apenas no setor de infraestrutura energética, em especial, na construção e exploração de unidades hidrelétricas, como é o caso da Usina de Belo Monte, atualmente construída pela Sociedade de Propósito Específico (SPE) Norte Energia S.A., empresa de capital aberto – possui ações negociadas em bolsa – cuja participação estatal, mediante empresas do Grupo Eletrobrás, e de aproximadamente 49,98% do capital total da empresa constituída em PPP. Cabe ressaltar que o setor elétrico é fortemente regulado e possui um sistema de precificação que restringe fortemente a possibilidade de resultados adversos das empresas que atuam no segmento de geração e transmissão de energia. Este fato minimiza riscos e amplia sobremaneira as possibilidades de êxito em inciativas do tipo Parceria Público-Privada
Como ficou evidente, as inciativas em curso no governo federal estão localizadas no setor bancário estatal, reunindo duas das maiores empresas bancárias do país, e no setor produtivo estatal, mais especificamente o setor elétrico, o qual dispõem de uma estrutura regulatória singular. No entanto, estas não áreas de atuação do governo estadual paraense. Portanto, o modelo federal, ainda incipiente, não pode ser tomando como referência para a construção do modelo paraense de Parcerias Público-Privada.  
  1. Medidas “boas” de curto prazo com efeitos negativos de longo prazo
Outro aspecto merecedor de atenção especial na constituição de um arranjo institucional do tipo Parceria Público Privada diz respeito as suas implicações em termos de modicidade tarifária, ou seja, aos preços cobrados pelos serviços prestados pelas empresas resultantes destas parcerias.
Este assunto é comentado pelo economista André Franco Montoro Filho, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), em texto publicado no Boletim FIPE, nº 284, junho, 2004, conforme transcrito a seguir:
“Para as PPP surgem, além do risco comum a outras atividades econômicas, duas fontes de risco específicas. Um é o risco "institucional", o outro é o risco "popular". Denominamos risco "institucional" as incertezas geradas por eventuais alterações no marco regulatório e/ou nas condições dos contratos por fatores político-institucionais. Por exemplo, mudanças nas prioridades das políticas públicas, no mesmo governo ou mais freqüentemente pela eleição de um novo governo. Ou o surgimento de novas prioridades por causa de uma mudança na conjuntura econômica como ameaça de inflação, crise no balanço de pagamentos ou algum outro evento. Estas situações geram pressões para que se alterem clausulas contratuais. Eventuais mudanças, mesmo que logrem alguns resultados positivos no curto prazo, são bastante perniciosas no longo prazo. Tecnicamente, são temporalmente inconsistentes.
O risco "popular" surge porque, em geral, os setores passíveis de parcerias têm forte impactos sociais. A população tende a ver os bens e serviços produzidos nestes setores como dever do estado e direito do cidadão, que precisam ser fornecidos com qualidade, presteza e a preços módicos. Definir preço justo para a qualidade requerida é, em qualquer área, uma tarefa, para dizer o mínimo, espinhosa. Nos casos das eventuais parcerias, a possibilidade de haver uma avaliação popular descolada da realidade produtiva, dos custos envolvidos na produção com qualidade, é ainda maior. Havendo esta avaliação popular negativa, além de por si só já ser um transtorno e um risco, ela pode estimular medidas político-institucionais para enquadrar o parceiro privado. Aí se cai no caso anterior, medidas "boas" de curto prazo com efeitos negativos no longo prazo.”
  1. O Parlamento Britânico e as Parcerias Público-Privadas
As bases do modelo de Parceria Público-Privada adotado no Brasil teve como importante ponto de referência a experiência desenvolvida pelo governo Inglês ao longo das últimas três décadas.
Este fato torna importante a leitura atenta do artigo escrito por Bruno Pereira e publicado recentemente no blog “Observatório das Parcerias Público-Privadas”, especializado na discussão do tema. O artigo focaliza a iniciativa recente do parlamento britânico referente a avaliação das PPP realizadas eplo governo inglês. O autor ressalta a importância de algumas conclusões do Relatório Parlamentar Britânico para o debate em curso no Brasil.
“Parcerias público-privadas: o que o Brasil pode aprender com o Reino Unido?
Por Bruno Pereira em 15/09/2011
Recentemente, o Parlamento britânico, por intermédio de sua comissão dedicada às questões fazendárias, publicou relatório com recomendações sobre o programa de parcerias público-privadas (PPPs) daquele país (denominado Private FinanceInitiative – PFI).
As análises contempladas no referido relatório colocam em dúvida o programa de PPPs britânico, que se desenvolveu em maior medida na época em que o Partido Trabalhista contava com a maioria dos membros do Parlamento (1997-2010). Atualmente, com o Partido Conservador no pode e considerando o cenário de crise fiscal intensa, parecem ter surgido condições favoráveis para a análise crítica dos contratos celebrados no passado recente.
Ao ler o relatório é possível detectar algumas questões relevantes que poderiam ser incorporadas ao debate brasileiro sobre as PPPs, principalmente tendo em vista que o uso desta modalidade de contratação de serviços públicos tende a se tornar mais frequente. Destaco alguns pontos do relatório.
  • Há casos de PPPs no Reino Unido que não implicaram em menor uso de recursos públicos, pois houve equívocos na alocação de riscos entre as partes do contrato. Tal situação resultou em preços mais altos e ineficiências na prestação dos serviços;
  • Não há demonstrações concretas no sentido de que as PPPs foram mais eficientes na medida em que delegaram ao parceiro privado a responsabilidade pelo ciclo de vida dos ativos (construção, operação e manutenção);   
  • O argumento de que as PPPs apresentam maior segurança no que diz respeito ao orçamento e ao cronograma do projeto ainda não foi plenamente demonstrado. Segundo o relatório, as PPPs demoram mais para serem estruturadas e este prazo adicional deve ser incluído na mensuração da rapidez com que os serviços públicos são colocados ao dispor dos usuários. Além disso, a certeza sobre o orçamento apenas é positiva se ele foi calculado de modo correto, ou seja, de modo a incorporar as eficiências geradas pelo parceiro privado;
  • É necessário que os contratos de PPP sejam mais flexíveis para incorporar situações novas, que tendem a surgir em arranjos de longo prazo;
  • A PPP tende a gerar menor grau de competição nas licitações, pois envolve processos longos, complexos e caros, de modo que apenas as empresas que podem se arriscar a perder milhões de libras com propostas que podem não ser as vencedoras apresentam apetite por tais contratos;
  • As análises comparativas entre o contrato de PPP e outras modalidades de contratos tradicionalmente usadas pelo setor público apresenta viés favorável às PPPs. Uma das premissas equivocadas é pressupor que sempre haverá pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro nos contratos tradicionais. Além disso, a autoridade pública tem incentivos para preparar estudos favoráveis às PPPs, porque, do contrário, não terá outro modo de satisfazer uma demanda pública (em alguns programas do governo britânico, havia recursos disponíveis apenas se os projetos fossem estruturados como PPPs);
  • O National Audit Office (tribunal de contas do Reino Unido) deve realizar um estudo independente a respeito da análise comparativa entre PPP e outros métodos tradicionais de contratação cabíveis;
  • É importante que seja avaliada a possibilidade de inserir, nos projetos de PPP ainda não licitados, algum mecanismo de compartilhamento dos ganhos de produtividade entre o parceiro privado e o setor público;
  • É necessário aumentar a capacidade de gestão dos servidores públicos em relação a dois temas: gestão da licitação e gestão de projetos. O investimento em habilidades envolvendo questões financeiras deve ser equilibrado para que capacidades em áreas como arquitetura e engenharia também sejam desenvolvidas junto aos servidores públicos.
 Algumas deficiências do programa britânico, se reproduzidas no Brasil, poderiam minar a legitimidade das PPPs perante a opinião pública brasileira. Logicamente que tal possibilidade dependerá do modo como as PPPs forem sendo mais intensamente incorporadas na administração pública brasileira.
De qualquer modo, a maior parte dos desafios a serem enfrentados no Reino Unido épertinente ao setor público brasileiro. A administração pública, como qualquer instituição ou pessoa, comete erros. Espera-se que o Brasil, no mínimo, não repita os mesmos erros do programa de PPPs do Reino Unido.”  



Conclusão
Como sabemos, um instrumento pode ser utilizado para diversos fins, já que objetos não tem sentido fora de seu contexto. Uma faca na mão de um mestre-cuca nos encanta, nas garras de um serial killer nos faz tremer. Portanto, muita cautela e prudência aos deputados que apreciarão o projeto, pois suas conseqüências poderão ser graves para os funcionários e usuários dos serviços públicos oferecidos pelo governo do estado.
Uma lei como essa só pode ser aprovada se houver a garantia de controle público sobre a estrutura e execução de contratos, pois lembremos, as SPEs, não fazem parte do orçamento público, e tem mecanismos de auditagem muito frágeis, o que podem levar à má utilização dos recursos públicos ali empregados. Uma grande contribuição que a Alepa poderia dar ao Pará seria fazer como a bancada do PMDB do Paraná fez, quando da aprovação, semana passada da mesma lei naquele estado, também governado pelo PSDB: apresentar emenda ao texto que prevê a autorização caso a caso da Assembléia Legislativa na hipótese de implantação de PPP. Assim, valorizaríamos o legislativo e permitiremos que o governo dê as devidas explicações todas as vezes que for utilizar uma Parceria Público-Privada.  A cautela do legislativo coibirá os excessos do executivo.


Publicação dos Mandatos dos deputados Cláudio Puty, Edilson Moura e Vereador Marquinho do PT.

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