São Paulo – A partir de cinco de fevereiro
de 2013, a conta de luz dos domicílios brasileiros será reduzida em
16,2% em média. Isso significa que quem gasta R$ 200 por mês passará a
pagar em torno de R$ 168. O corte será ainda maior para os consumidores
industriais, e poderá atingir 28%.
A medida, anunciada dez anos
após o apagão no governo Fernando Henrique e a explosão tarifária, ajuda
a recolocar o preço da energia do país dentro dos padrões
internacionais. O resultado é positivo. As famílias podem consumir mais
com o aumento da renda disponível, as empresas têm sua competitividade
elevada e, de quebra, a inflação sofre um baque.
A presidenta
Dilma Rousseff está finalmente colhendo o que fora plantado em 2002.
Naquele ano, um grupo de técnicos progressistas reunidos no Instituto
Cidadania, base do programa de governo que elegeu Lula, lançou o
documento “Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico
Brasileiro”.
A coordenação coube ao professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luis Pinguelli Rosa. Entre os técnicos
participantes, além da própria Dilma, estavam Ildo Sauer, Roberto
Pereira d´Araujo, Mauricio Tolmasquim, Roberto Schaeffer, Ivo Pugnaloni,
Carlos Augusto Kirchner e Joaquim de Carvalho.
Diante da crise
provocada pelo racionamento de energia elétrica desde 2001, o documento
criticava o modelo pró-mercado lançado na era privatista da década de
noventa, que aniquilou o planejamento estratégico público. O trabalho
serviu de base para o programa de governo de Lula e guiou, ainda que
parcialmente, as reformas do marco regulatório iniciadas em 2003.
Dizia
um trecho do programa de Lula, escrito sob administração tucana: “Ao
longo da década de 1990, o atual governo concluiu que os problemas
existentes resumiam-se, simplesmente, à presença do Estado no setor
elétrico. O modelo de mercado que se procurou impor desestruturou o
planejamento e, mesmo sem fazer as alterações cabíveis, privatizou
empresas e modificou as regras do setor abruptamente. Como resultado
tem-se um setor elétrico profundamente desajustado, necessitando ser
‘revitalizado’”.
Novo projeto
Com a vitória petista,
Dilma foi alçada ao Ministério de Minas e Energia. Entre 2003 e 2004,
uma nova legislação lançou novas bases para o modelo elétrico, com o
fortalecimento do planejamento estratégico pelo Estado. Foi criada a
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), justamente com a função de avaliar
permanentemente a segurança do suprimento de eletricidade.
Não
se desejava, porém, uma volta ao passado e a estatização das empresas,
como apontava o próprio programa de Lula. “Nosso governo vai estimular a
ampliação dos investimentos de empresas privadas na expansão do setor”,
afirma o texto. Para isso, estimulou-se um novo modelo de financiamento
chamado “project finance”, com a meta de atrair tanto recursos privados
quanto públicos.
Esse mecanismo ajuda a diluir os riscos de
implantação e operação de um novo projeto entre todos os atores
envolvidos no setor energético. Isso ocorre pois o fluxo de caixa do
projeto é a principal fonte de pagamento do serviço e da amortização do
capital de terceiros, enquanto no financiamento corporativo tradicional
as garantias são calcadas principalmente nos ativos dos investidores.
Novas
hidrelétricas em construção, como Belo Monte, utilizam o mecanismo do
“project finance”. Segundo o diretor do Sindicato dos Engenheiros de São
Paulo, Carlos Augusto Kirchner, que estava entre os técnicos
mobilizados no Instituto Cidadania, os investidores passaram a ter mais
segurança, inclusive o BNDES, que financia boa parte dos projetos do
setor.
Isso não significa, porém, que Kirchner esteja de acordo
com todas as bases do novo modelo. O engenheiro defende, por exemplo, a
ampliação do tempo de contrato do consumidor livre, que em média tem
pagado um preço muito mais baixo pela energia em relação ao consumidor
cativo. Isso traria mais equilíbrio ao modelo, defende ele.
Novo modelo?
Mais contestações vêm do Instituto Ilumina, outro polo do pensamento progressista sobre as questões da energia. Em uma análise
em que responde um documento divulgado pela Fiesp em agosto criticando o
preço da eletricidade no país, o Ilumina aponta as relações da entidade
com o modelo privatista e faz críticas ao atual marco regulatório –
que, para o instituto, é o mesmo modelo de mercado anterior, e que
apenas sofreu “correções imprescindíveis para permitir o seu
funcionamento”.
“Por acaso se pode falar em sucesso para um
modelo que em pouco mais de dez anos provocou a subida das tarifas para
patamares tão elevados? Que provoca apagões sucessivos de todo tipo,
além de constantes explosões de bueiros na cidade de maior projeção do
país, as quais até já feriram gravemente turistas estrangeiros?”, diz a
análise do Ilumina.
Ao menos à primeira crítica o governo tenta
dar uma resposta. Além do corte no custo da energia a partir de
fevereiro, o ministro Guido Mantega (Fazenda) anunciou que está em
estudo a redução da influência do IGPM e do IPCA na determinação dos
preços da energia. A ideia é desindexar os contratos a partir da
renovação das concessões.
Mais uma preocupação vem dos
trabalhadores do setor elétrico. Eles querem evitar que a conta da
redução das tarifas seja paga pela categoria. De acordo com o advogado
do Sindicato dos Eletricitários do Sul de Minas e da Federação dos
Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais Maximiliano Nagl
Garcez, a representação sindical dos eletricitários é, nacionalmente,
favorável à diminuição da conta de luz e à renovação de concessões.
O
receio, entretanto, exige garantias para que estas medidas não sejam
usadas pelas empresas como desculpa para demitir trabalhadores,
precarizar direitos e terceirizar ainda mais a atividade. “Isso não
prejudica só os eletricitários, mas os próprios consumidores com a queda
de qualidade do serviço. Basta ver no que deu os ataques aos direitos
dos trabalhadores ocasionados pela privatização. Apagões, problemas de
atendimento e até explosões de bueiros, comprovadamente reflexo da
terceirização”, disse.
O secretário do Tesouro Nacional, Arno
Augustin, refuta esta possibilidade. “As mudanças não impõe ao setor
nenhuma dificuldade adicional. Estamos tratando de um capital que já foi
depreciado ou que está sendo pago, então não há nenhum motivo para
demissão ou precarização”, diz.
(Carta maior)
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