domingo, 23 de setembro de 2012

Ao reduzir conta de luz, Dilma colhe o que foi plantado em 2002

São Paulo – A partir de cinco de fevereiro de 2013, a conta de luz dos domicílios brasileiros será reduzida em 16,2% em média. Isso significa que quem gasta R$ 200 por mês passará a pagar em torno de R$ 168. O corte será ainda maior para os consumidores industriais, e poderá atingir 28%.

A medida, anunciada dez anos após o apagão no governo Fernando Henrique e a explosão tarifária, ajuda a recolocar o preço da energia do país dentro dos padrões internacionais. O resultado é positivo. As famílias podem consumir mais com o aumento da renda disponível, as empresas têm sua competitividade elevada e, de quebra, a inflação sofre um baque.

A presidenta Dilma Rousseff está finalmente colhendo o que fora plantado em 2002. Naquele ano, um grupo de técnicos progressistas reunidos no Instituto Cidadania, base do programa de governo que elegeu Lula, lançou o documento “Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico Brasileiro”.

A coordenação coube ao professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luis Pinguelli Rosa. Entre os técnicos participantes, além da própria Dilma, estavam Ildo Sauer, Roberto Pereira d´Araujo, Mauricio Tolmasquim, Roberto Schaeffer, Ivo Pugnaloni, Carlos Augusto Kirchner e Joaquim de Carvalho.

Diante da crise provocada pelo racionamento de energia elétrica desde 2001, o documento criticava o modelo pró-mercado lançado na era privatista da década de noventa, que aniquilou o planejamento estratégico público. O trabalho serviu de base para o programa de governo de Lula e guiou, ainda que parcialmente, as reformas do marco regulatório iniciadas em 2003.

Dizia um trecho do programa de Lula, escrito sob administração tucana: “Ao longo da década de 1990, o atual governo concluiu que os problemas existentes resumiam-se, simplesmente, à presença do Estado no setor elétrico. O modelo de mercado que se procurou impor desestruturou o planejamento e, mesmo sem fazer as alterações cabíveis, privatizou empresas e modificou as regras do setor abruptamente. Como resultado tem-se um setor elétrico profundamente desajustado, necessitando ser ‘revitalizado’”.

Novo projeto
Com a vitória petista, Dilma foi alçada ao Ministério de Minas e Energia. Entre 2003 e 2004, uma nova legislação lançou novas bases para o modelo elétrico, com o fortalecimento do planejamento estratégico pelo Estado. Foi criada a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), justamente com a função de avaliar permanentemente a segurança do suprimento de eletricidade.

Não se desejava, porém, uma volta ao passado e a estatização das empresas, como apontava o próprio programa de Lula. “Nosso governo vai estimular a ampliação dos investimentos de empresas privadas na expansão do setor”, afirma o texto. Para isso, estimulou-se um novo modelo de financiamento chamado “project finance”, com a meta de atrair tanto recursos privados quanto públicos.

Esse mecanismo ajuda a diluir os riscos de implantação e operação de um novo projeto entre todos os atores envolvidos no setor energético. Isso ocorre pois o fluxo de caixa do projeto é a principal fonte de pagamento do serviço e da amortização do capital de terceiros, enquanto no financiamento corporativo tradicional as garantias são calcadas principalmente nos ativos dos investidores.

Novas hidrelétricas em construção, como Belo Monte, utilizam o mecanismo do “project finance”. Segundo o diretor do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, Carlos Augusto Kirchner, que estava entre os técnicos mobilizados no Instituto Cidadania, os investidores passaram a ter mais segurança, inclusive o BNDES, que financia boa parte dos projetos do setor.

Isso não significa, porém, que Kirchner esteja de acordo com todas as bases do novo modelo. O engenheiro defende, por exemplo, a ampliação do tempo de contrato do consumidor livre, que em média tem pagado um preço muito mais baixo pela energia em relação ao consumidor cativo. Isso traria mais equilíbrio ao modelo, defende ele.

Novo modelo?
Mais contestações vêm do Instituto Ilumina, outro polo do pensamento progressista sobre as questões da energia. Em uma análise em que responde um documento divulgado pela Fiesp em agosto criticando o preço da eletricidade no país, o Ilumina aponta as relações da entidade com o modelo privatista e faz críticas ao atual marco regulatório – que, para o instituto, é o mesmo modelo de mercado anterior, e que apenas sofreu “correções imprescindíveis para permitir o seu funcionamento”.

“Por acaso se pode falar em sucesso para um modelo que em pouco mais de dez anos provocou a subida das tarifas para patamares tão elevados? Que provoca apagões sucessivos de todo tipo, além de constantes explosões de bueiros na cidade de maior projeção do país, as quais até já feriram gravemente turistas estrangeiros?”, diz a análise do Ilumina.

Ao menos à primeira crítica o governo tenta dar uma resposta. Além do corte no custo da energia a partir de fevereiro, o ministro Guido Mantega (Fazenda) anunciou que está em estudo a redução da influência do IGPM e do IPCA na determinação dos preços da energia. A ideia é desindexar os contratos a partir da renovação das concessões.

Mais uma preocupação vem dos trabalhadores do setor elétrico. Eles querem evitar que a conta da redução das tarifas seja paga pela categoria. De acordo com o advogado do Sindicato dos Eletricitários do Sul de Minas e da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais Maximiliano Nagl Garcez, a representação sindical dos eletricitários é, nacionalmente, favorável à diminuição da conta de luz e à renovação de concessões.

O receio, entretanto, exige garantias para que estas medidas não sejam usadas pelas empresas como desculpa para demitir trabalhadores, precarizar direitos e terceirizar ainda mais a atividade. “Isso não prejudica só os eletricitários, mas os próprios consumidores com a queda de qualidade do serviço. Basta ver no que deu os ataques aos direitos dos trabalhadores ocasionados pela privatização. Apagões, problemas de atendimento e até explosões de bueiros, comprovadamente reflexo da terceirização”, disse.

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, refuta esta possibilidade. “As mudanças não impõe ao setor nenhuma dificuldade adicional. Estamos tratando de um capital que já foi depreciado ou que está sendo pago, então não há nenhum motivo para demissão ou precarização”, diz.
(Carta maior)

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