10 anos de Estatuto da Cidade:
um olhar amazônico
Maurício Leal Dias[1]
Há exatos 10 anos surge a Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, publicada no DOU em 11.07.2001, entrou em vigor 90 dias após a sua publicação. O Estatuto da Cidade regulamenta o capítulo constitucional da política urbana (Artigos. 182 e 183), institui diretrizes gerais do desenvolvimento urbano nos termos do art. 21, XX da CF, estabelece normas gerais de direito urbanístico (art. 24, I, §1º da CF). Segundo Edésio Fernandes “A Lei federal denominada Estatuto da Cidade resultou de um intenso processo de negociação dentro e além do Congresso Nacional, e confirmou e ampliou o papel fundamental jurídico-político dos municípios na formulação de diretrizes do planejamento urbano, bem como na condução dos processos de desenvolvimento e gestão urbana. O significado e impacto simbólico da nova lei, todavia, são mais amplos: o Estatuto da Cidade rompeu com a longa tradição de civilismo jurídico e estabeleceu as bases de um novo paradigma jurídico-político para o controle do uso do solo e do desenvolvimento urbano pelo poder público e pela sociedade organizada”[2]. O Estatuto da Cidade trouxe instrumentos de planejamento (plano diretor, gestão orçamentária participativa), instrumentos tributários e financeiros (IPTU, contribuição de melhoria), instrumentos jurídicos e políticos (outorga onerosa do direito de construir, regularização fundiária) voltados para a concretização da função socioambiental da cidade e da propriedade urbana por meio da gestão democrática da cidade. O Estatuto da cidade ao regulamentar o capítulo da política urbana reconheceu que àqueles que vivem nas cidades são titulares de interesses difusos, ao garantir em seu art. 2º, I o direito à cidade sustentável, “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”, sendo que tal direito pode ser tutelado pela via da ação civil pública (Art. 1º, VI da Lei 7.347/85) que pode ser manejada para defesa da ordem urbanística, por associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O Estatuto da Cidade é uma Lei que depende de muita vontade política para sua implementação e um novo modelo de gestão urbana e ambiental, pois efetivar os princípios da função socioambiental da cidade e da propriedade urbana implica em contrariar interesses seculares e toda uma cultura liberal-individualista que restringe a intervenção do poder público e da sociedade sobre a propriedade privada. Os conflitos existentes em torno da aplicação de instrumentos urbanísticos reguladores do mercado imobiliário, como é o caso, em Belém, da dificuldade em regulamentar a outorga onerosa do direito de construir e o IPTU progressivo, esses obstáculos e disputas revelam que muito temos a fazer por cidades mais justas, democráticas e sustentáveis. Assim sendo, reputo que alguns desafios devem ser enfrentados, sobretudo no contexto amazônico: primeiro, o desafio de implementar os planos diretores, pois admitindo que os planos diretores começaram a vigorar em 2006 e a despeito da vergonhosa prorrogação do prazo para aprovação de plano diretores para julho de 2008, são apenas 5 anos de existência de planos diretores no Brasil,ou seja, ainda não temos amadurecimento institucional para tal, no caso amazônico, existe um agravante, inúmeros PDs foram aprovados copiados de outros municípios brasileiros sem qualquer preocupação com as especificidades da região, não consideraram a nova etapa de urbanização da região e nem o significado de contextos periurbanos, que são áreas de transição entre o urbano e o rural[3], isto porque entendo que o debate sobre o urbano e rural na Amazônia deve ser aprofundado, assim como investir em capacitação dos gestores públicos e no ensino do direito urbanístico em nossas faculdades de direito deveria ser uma prioridade; outro desafio é o da regularização fundiária, pois além da escassez de programas, poucos incorporam o novo paradigma da regularização fundiária da Lei 11.977/09, que baseada no Estatuto da Cidade vai além da titulação, pois requer também a regularização urbanística, social e ambiental, sem as quais aprofunda-se ainda mais a exclusão sócio-territorial em nossas cidades, para tanto a integração institucional na assistência técnica e jurídica gratuita é fundamental, nesse sentido as Universidades podem contribuir com projetos de extensão por meio da Lei da Assistência Técnica gratuita (Lei nº 11.888/08) e dos núcleos de prática jurídica; e, por fim, o desafio da estão democrática da cidade, concordamos com Daniella S. Dias[4], quando afirma, “o desafio para criação de espaços públicos democráticos é algo que depende sobremaneira da consciência e da vontade política dos governantes, e sem planejamento democrático, não poderá o poder executivo trabalhar os conflitos”. O Estatuto da Cidade condiciona a validade do PPA, LDO e LOA à participação popular, estas peças orçamentárias devem incorporar as diretrizes dos planos diretores. A gestão orçamentária participativa é uma prática obrigatória que deve ser efetivamente cobrada pela sociedade civil e pelo Ministério Público (arts. 39, §1º e art. 44 do EC), ademais o art. 40, § 4o estabelece no processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos, isto porque, incorre em improbidade administrativa o agente público impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4o do art. 40 desta Lei (art. 52,VI do EC). Temos muito a comemorar e muito a refletir sobre os dez anos de Estatuto da Cidade, gradativamente o Estatuto da Cidade contribui com a transformação das cidades brasileiras, mas isso depende, sobretudo, da organização da sociedade e do enfrentamento da cultura neoliberal individualista com sua glorificação do capital, que transforma direitos fundamentais como o direito à cidade e à moradia em mercadorias, relegando milhares de famílias à miséria[5]. Outras cidades são possíveis ? Creio que sim, para tanto precisamos nos organizar para gerir democraticamente as cidades, reconhecendo a diversidade e pluralidade, com tolerância e paz. Nesta data, desejo a todas e todas que continuem na luta por felizCIDADES !!!
[1] - Mestre em Direito pelo PPGD/UFPA, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Advogado. Visite o blog: http://juscidade.blogspot.com
[2] - Fernandes, Edésio e Alfonsin, Betânia. Coletânea de legislação urbanística. Belo Horizonte, Ed. Fórum. 2010. p. 19.
[3] Ver PERIURBANOS, contribuições para a política de desenvolvimento urbano no Brasil. FASE, 2010.
[4] Dias, Daniella S. Qual a importância do planejamento em bases democráticas para a construção de cidades sustentáveis ? in Neto, Antônio José de Mattos. Estado democrático de Direito e direitos humanos. São Paulo. Saraiva. p. 138
[5] Ver o livro de Mike Davis, Planeta Favela, publicado pela Boitempo
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